terça-feira, 22 de novembro de 2011

Gabarito da prova da Luciola do post anterior.

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D
A
B
D
E
B
A

Prova Luciola. (Gabarito no proximo post)

1-Em relação a Lucíola,de José de Alencar,assinale a alternativa incorreta.
(A) A obra apresenta muito adequadamente o tema da prostituta regenerada, bem ao gosto do Romantismo.
(B) O narrador tem, além dos leitores da obra,explicitamente  uma interlocutora como personagem-leitora.
(C) A narrativa se constrói em dois tempos muito bem marcados:o da vivência e o da narração da vivência.
(D) A aparição de Maria da Glória resolve todos os problemas da personagem Lúcia, porque aponta o caminho da expiação da culpa, construindo um final feliz para a narrativa.
(E) A presença de muitos paradoxos românticos (virtude x vício, alma x corpo, amor x prazer, ingenuidade x devassidão, família x prostituição) é possível perceber nesse romance.
2- Assinale a alternativa incorreta a respeito de Lucíola, de José de Alencar.
(A)  É Paulo -como protagonista-simultaneamente agente da narração e objeto da narrativa.
(B) É um romance que apresenta  uma pluralidade de olhares narrativos principalmente na caracterização da personagem Lúcio
(C) É um romance que traz uma visão alienada na sociedade urbana do RJ, por focalizar unicamente  o drama individual da protagonista.
 (D) É através do distanciamento temporal que a narrativa se torna possível, pois a narração é atividade pela memória.
(E) É a protagonista construída em dualidade, uma vez que, dissociando corpo e alma, ela também tem dois nomes, duas casas, dois estilos de vida.
3-De acordo com leitura da obra Lucíola, de José de Alencar, julgue as afirmativas e, a seguir, marque a alternativa CORRETA.
I. Há, em Lucíola, um clima de sensualidade constante, combinando com o ardor e sofrimento,que predominava na segunda metade do século XIX.
II. O romance  entre os protagonistas, Lúcia e Paulo, ‘ sacode’ a Corte e provoca um excitado burburinho na sociedade.De um lado, a mulher que, sendo de todos, jurava não se prender a nenhum homem; de outro , o homem em dúvida entre o amor e o preconceito.
III. O foco narrativo é um 3ª pessoa; o narrador – observador  não participa da historia; com isso, há  um forte apelo á imaginação do leitor.
IV.Em Lucíola , o amor não resiste ás barreiras sociais e morais .Assis é o romance da bela Lúcia, a mais rica e cobiçada cortesã do RJ, e Paulo, um jovem modesto a frágil.


(A)   Apenas as afirmativas I,II e IV são corretas.
(B)   Apenas as afirmativas I e IV são corretas.
(C)   Apenas as afirmativas I e II são corretas.
(D)  Apenas  as afirmativas I, II e III são corretas.

4- Leia o texto para responder á quetão.
Uma mulher como eu não se pertence;é uma coisa publica, um carro de praça, que não pode recusar quem chegar.
Pelas palavras da protagonista, percebe-se um forte desabafo.Esse sentimento é conseqüência
(A)De submissão, que é característica da própria personagem
(B) do forte apego que  Lucíola tinha á sua família
(C) na impossibilidade de se manter como centro do poder e do domínio.
(D) de resignação, resignação, recusando-se a abandonar sua vida para viver com Paulo.
(E) de velhos.preconceitos, já que a sociedade primava pelos bons costumes.
5-Marque ( V) para verdadeiro ou (F) para falso e assinale a alternativa correta;
a.(  ) Os laços afetivos entre Lúcia e Paulo se estreitam, principalmente pelo fato de a moça despir sua máscara diante dele, que mantém cautela no relacionamento por não conseguir entende-la.
b.(  ) Lúcia passou a se prostituir porque seu pai mandou, pois passava necessidades.
c.(  ) Maria da Gloria deu a luz ao filho de Paulo e logo em seguida morreu, ficando com Ana, sua irmã, a criação da criança.
d.(  ) O capitulo de fechamento do romance completa o processo de purificação de Lúcia ‘santificando-a’ o próprio Paulo testemunha.
e.(  ) Lúcia começou muito cedo como uma cortesã ,12 anos e tinha 19 anos quando morreu
f.(  ) Faz parte do processo de purificação de Lúcia a mudança de seu comportamento e conseqüentemente de seu relacionamento com Paulo, que vai se transformando em amizade.
g.(  ) Lúcia passa a aceitar dinheiro dado por Paulo e a Bíblia é o livro preferido dela.
A)F-F-V-V-V-F-V
B)V-F-F-V-V-V-F
C)F-F-F-V-V-V-V
D)V-F-V-V-V-V-V
E)V-F-F-V-V-V-V
6.Assinale a alternativa em que TODAS as características da obra Lucíola podem ser consideradas verdadeiras.
A) Podemos falar da existência de dois narradores:Paulo, o amante de Lúcia , e Sá um dos freqüentadores da casa da cortesã.A anteposição de ambas fornece-nos o duplo retrato de mulher:o anjo para o amado e o demônio para Sá
B) Sob o plano da narrativa, a história do livro foi vivenciada pelo narrador, que a envia a uma Senhora.Essa senhora, de posse dos manuscritos , dá nome á obra e, posteriormente, envia-os ao narrador
C) A morte da personagem principal, no final da obra,é atitude incomum nos romances românticos, nos quais a ventura do amor concede aos amantes as promessas de uma realidade duradoura.
D) Há, na obra, a construção de um retrato feminino previsível.Ao colocá-lo no ambiente sórdido e corrompido do bordel, dá-lhe o privilégio de se manter casta e pura.
7-Lucíola, apresenta um perfil de mulher duplicado:um anjo que se contrapõe a uma prostituta;uma imagem de delicada sedução simultânea a outra de lascívia deliberada.O desdobramento da personagem feminina em duas, na obra alencariana, é um típico recurso de
A) maniqueísmo que cinge  a realidade entre o bem e mal, o moral e o imoral
B)comparação, que aproxima por semelhança dois seres aparentemente tão opostos.
C)duplicação, que possibilita á Lenita superar as barreiras sociais e realizar o seu projeto romântico.
D)paralelismo, que permite ao leitor conhecer os lados  opostos da sociedade para melhor julgá-la.
8- Quando foi a primeira vez em que Paulo e Lúcia se encontram?
Paulo se encontrou com Lúcia pela primeira vez em uma rua do Rio de Janeiro, seu primeiro contato foi lhe entregar o leque que ela acabara de deixar cair. Desde esse momento Lúcia o amou – como mais tarde revelou a ele.
9- Qual foi o motivo que levou Lúcia a trabalhar como uma cortesã de luxo?
Ela já se prostituia desde nova por necessidade mais quando o pai dela descobriu colocou ela pra rua e uma mulher que mentia ser enfermeira a levou de novo para a prostituição, e com o tempo ela se tornou uma cortesã de luxo.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Resumo Memorias Póstumas de Brás Cubas

Brás Cubas, já falecido, conta, do outro mundo, as suas memórias.
“Expirei em 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos.” Galhofando dos ascendentes, fala da própria genealogia. Assevera que morreu de pneumonia apanhada quando trabalhava num invento farmacêutico, um emplastro medicamentoso.
Virgília, sua ex-amante, que já não via há alguns anos, visitou-o nos últimos dias de vida. Narra Brás Cubas um delírio que teve durante a agonia: montado num hipopótamo foi arrebatado por uma extensa e gelada planície, até o alto de uma montanha, de onde divisa a sucessão dos séculos.
Além dos pais, tiveram grande influência na educação do pequeno Brás Cubas três pessoas: tio  João, homem de língua solta e vida galante; tio ldelfonso, cônego, piedoso, e severo; dona Emerenciana, tia materna, que viveu pouco tempo. Brás passou uma infância de menino traquinas, mimado demasiadamente pelo pai.
Aos dezessete anos, apaixona-se por Marcela, dama espanhola, com quem teve as primeiras experiências amorosas. Para agradar Marcela, Brás começa a gastar demais, assumindo compromissos graves e endivida-se. Marcela gostava de joias, e Brás procurava fazer-lhe todos os gostos. “Marcela amou-me”, diz Brás Cubas, “durante quinze meses e onze contos de réis.” Quando o pai tomou conhecimento dos esbanjamentos do filho, mandou-o para a Europa: “vais cursar uma Universidade”, justificou.
Em Coimbra, Brás segue o curso jurídico e bacharela-se. Depois, atendendo a um chamado do pai, volta ao Rio. A mãe estava moribunda. De fato, chega ao Brasil, e a mãe falece.
Passando uns dias na Tijuca, conhece Eugênia, moça bonita, mas com um defeito na perna que a fazia coxear um pouco. Com ela mantém um romance passageiro.
O pai de Brás tem duas ambições para o filho: quer casá-lo e fazê-lo deputado. Tudo faz para encaminhá-lo no rumo do casamento e procura aumentar o círculo de amigos influentes na política, a fim de preparar o caminho para o futuro deputado. Assim é que Brás Cubas é apresentado ao Conselheiro Dutra, que promete ajudar o jovem bacharel na pretendida ascensão política.
Brás, a essa altura, vem a conhecer Virgília, filha do Conselheiro Dutra, pela qual se apaixona. Parecia, assim, que os sonhos do pai sobre Brás estavam prestes a realizar-se: bem-encaminhado na política e quase noivo. Entretanto acontece um imprevisto: surge Lobo Neves, que não somente lhe rouba a namorada, mas também cai nas boas graças do Conselheiro Dutra.
Vendo assim preterido o filho, o pai de Brás sente-se profundamente desapontado e magoado. Veio a falecer dali a alguns meses, de um desastre.
Virgília casa-se com Lobo Neves e, pouco tempo depois, vê eleito deputado o marido. Mas, na verdade, Virgília casara-se com Lobo por interesse, e ama realmente Brás Cubas. Virgília e Brás principiam a encontrar-se com frequência e, em breve, tornam-se amantes. Lobo Neves adora a esposa e nela confia inteiramente. Aliás, não tinha muito tempo para observar o que se passa, já que estava entregue totalmente à política.
Brás narra o encontro que teve com seu ex-colega de escola primária, Quincas Borba, que se tornara um infeliz mendigo de rua. Depois do encontro com Quincas, Brás percebe que o maltrapilho lhe roubara o relógio.
Os encontros amorosos entre Virgília e Brás suscitam comentários e mexericos dos vizinhos, amigos e conhecidos. Por esse motivo, Brás propõe a Virgília a fuga para um lugar distante. Virgília, porém pensa no marido que a ama e na família e sugere “uma casinha só nossa, metida num jardim, em alguma rua escondida”. A ideia parece boa a Brás, que sai remoendo a proposta: uma casinha solitária, em alguma rua escura. Virgília e sua ex-empregada, chamada dona Plácida, se encarregam de adornar a casa e, aparentemente, quem ali reside é Dona Plácida.
Ali os dois amantes se encontram sem maiores embaraços e sem despertar suspeitas. Sucede que, por motivos políticos, Lobo Neves é designado para presidente de uma província e, dessa forma, tem de afastar-se com a mulher. Brás fica desesperado e pede a Virgília que não o abandone.
Quando tudo parece sem solução, Lobo Neves , para agradar ao amigo da família, convida Brás Cubas a acompanhá-lo, como secretário. Brás aceita.
Os mexericos se tornam mais intensos, e Cotrim, casado com Sabina, irmã de Brás Cubas, procura fazer ver ao cunhado que a viagem seria uma aventura muito perigosa. Por superstição, Lobo Neves acaba não aceitando o cargo de presidente, porque o decreto de nomeação saíra publicado, no Diário Oficial, num dia 13, e Lobo Neves tinha pavor desse número, considerado fatídico.
Lobo Neves recebe uma carta anônima denunciando os amores da esposa com o amigo. Isso faz os dois amantes se mostrarem mais reservados, embora continuem encontrando-se na Gamboa (onde ficava a casa de dona Plácida).
Ocorre, então, um acontecimento que vemalterar a situação dos personagens: Lobo Neves é novamente nomeado presidente e, dessavez, parte para o interior do País, levando consigo a esposa. Brás procura distrair-se e esquecera separação. Aliás, o tempo se havia escoado e, embora ainda se sentisse forte e com saúde,era já um cinquentão.
A irmã Sabina, que vinha procurando “arranjar” um casamento para Brás, volta a insistir em seu objetivo. A candidata, uma moça prendada, chamava-se nhá-Loló. Mesmo sem entusiasmo, Brás aparenta interesse pela pretendente, mas nhá-Loló vem a falecer duranteuma epidemia.
O tempo vai passando. Mais por distração do que por idealismo, faz-se deputado e, na assembleia, vem a encontrar-se com Lobo Neves, que havia voltado da província. Encontra-se também com Virgília, que não tinha a beleza antiga que o havia atraído. Assim, por desinteresse recíproco, chegam ao fim os amores entre Brás e Virgília.
Quincas Borba, o mendigo, reaparece e lhe restitui o relógio, passando a ser um frequentador da casa de Brás. Quincas Borba estava mudado: não era mais mendigo, recebera uma herança de um tio em Barbacena. Virara filósofo. Havia inventado uma nova teoria filosófico-religiosa, o Humanitismo, e não falava noutra coisa. O próprio Brás Cubas passa a interessar-se muito pelas teorias de Quincas Borba.
Morre, por esse tempo, Lobo Neves, e Virgília chora com sinceridade o marido, assim como o havia traído – com sinceridade. Também vem a falecer Quincas Borba, que havia enlouquecido completamente.
Brás Cubas deixou este mundo pouco depois de Quincas Borba, por causa de uma moléstia que apanhara quando tratava de um invento seu, denominado emplastro Brás Cubas. E o livro conclui: “Ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.”

Resumo Luciola José de Alencar


 Lucíola é o quinto romance de Alencar e o primeiro da trilogia que ele denominou de "perfis de mulheres" (Lucíola, Diva e Senhora). Situa-se entre seus romances urbanos que representam um levantamento da nossa vida burguesa do século passado mais considerável do que o levado a efeito por Machado de Assis, na opinião de Heron de Alencar. Fixam o  Rio de Janeiro da época, com a sua fisionomia burguesa e tradicional, com uma sociedade endinheirada que freqüentava o Teatro Lírico, passeava à tarde na Rua do Ouvidor e à noite no Passeio Público, morava no Flamengo, em Botafogo ou Santa Teresa e era protagonista de dramas de amor que iam do simples namoro à paixão desvairada.
        Em todos os romance urbanos, Alencar aborda o amor como tema central. Ou, para ser mais exato, "aborda a situação social e familiar da mulher, em face do casamento e do amor" segundo Heron de Alencar. Mas o amor como o entendia a mentalidade romântica da época, "um amor sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, mas redimindo-se pela própria força acrisoladora de sua intensidade e de sua paixão." (Oscar Mendes, in José de Alencar - romances urbanos, Rio de Janeiro, Agir, 1965, Col. Nossos Clássicos - p.10).
Baseando-se na enorme aceitação de Alencar junto ao público, Antônio Cândido comprova a existência de pelo menos dois Alencares:
        O Alencar dos rapazes, heróico, altissonante, criando heróis como Peri, Ubirajara, Estácio Correia (As Minas de Prata), Manuel Canho (O Gaúcho), Arnaldo Louredo (O Sertanejo).
        O Alencar das mocinhas, gracioso, às vezes pelintra, outras, quase trágico, criador de mulheres cândidas e de moços impecavelmente bons, que dançam aos olhos do leitor uma branda quadrilha, ao compasso do dever e da consciência, mais fortes que a paixão. As regras  desse jogo bem conduzido exigem inicialmente um obstáculo, que ameace a união dos namorados, sem contudo destruí-la. Todavia, há pelo menos um terceiro Alencar, o que se poderia chamar dos adultos, formado por uma série de elementos pouco heróicos e pouco elegantes, mas detonadores dum senso artístico e humano que dá contorno aquilino a alguns dos seus perfis de homem e de mulher. Este Alencar, difuso pelos outros livros, se contém mais visivelmente em Senhora e, sobretudo, LUCÍOLA, únicos livros, em que a mulher e o homem se defrontam num plano de igualdade, dotados de peso específico e capaz daquele amadurecimento interior inexistente nos outros bonecos e bonecas." (in Formação da Literatura Brasileira, 4ª ed., São Paulo, Martins, 1971, 2º vol. P.222).
        O AMOR DE LÚCIA E PAULO
        LUCÍOLA, publicado em 1862, é um romance de amor bem ao sabor do Romantismo, muito embora uma ou outra manifestação do estilo Realista aí se faça presente. Trata-se de um romance de "primeira pessoa", ou seja, o narrador da história é um personagem importante da mesma, Paulo Silva. E ele a narra em cartas dirigidas a uma senhora, G. M. (pseudônimo de Alencar), que as publica em livro com o título de LUCÍOLA.
        Paulo Silva, o personagem-narrador, é um rapaz de 25 anos, pernambucano, recém-chegado ao Rio de Janeiro, em 1855, com a intenção de aí se estabelecer.
        No dia mesmo de sua chegada à corte (Rio de Janeiro), após o jantar, sai em companhia de um amigo para conhecer a cidade. Na rua das Mangueiras vê passar em um carro uma jovem muito bela. Um imprevisto faz parar o carro, dando a Paulo a oportunidade de repará-la melhor. Dia após, em companhia de outro amigo, o Dr. Sá, Paulo participa da festa de N. Senhora da Glória, quando lhe aparece a linda moça. Informando-se do amigo, fica sabendo tratar-se de Lúcia, a prostituta mais bela, requintada e disputada da cidade. Mas ele se impressiona com a "expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher revelam a cortesã franca e impudente."
        Mais ou menos um mês após sua chegada, Paulo vai à procura de Lúcia, levado, é claro pelo desejo de possuir aquela linda mulher. Após longa e agradável conversa, acaba se surpreendendo com o "casto e ingênuo perfume que respirava de toda a sua pessoa". A um mínimo lance de seus seios, "ela se enrubesceu como uma menina e fechou o roupão" discretamente. E ele, que fora quente de desejos, agora, na rua, se acha ridículo por não haver ousado mais. Além do que, o Dr. Sá lhe confirmara que "Lúcia é a mais alegre companheira que pode haver para uma noite, ou mesmo alguns dias de extravagância."
        No dia seguinte Paulo está de volta à casa da heroína. Ao seu primeiro ataque, Lúcia se opõe com duas lágrima nos olhos. Supondo ser fingimento, mostra-se aborrecido e ela reage  atirando-se completamente nua em seus braços, já que era isso que Paulo queria. Mas no auge do prazer do sexo, Paulo percebe algo diferente nas carícias de Lúcia: mesmo no clímax do gozo, parece que ela sofria. Sente, na hora, um imenso dó, ao que ela corresponde cinicamente: "- Que importa? Contanto que tenha gozado de minha mocidade! De que serve a velhice às mulheres como eu?" Ele quer pagar-lhe, ela rejeita com um meigo aperto de mão. E ele retira-se realmente confuso com "a singularidade daquela cortesã, que ora levava a impudência até o cinismo, ora esquecia-se do seu papel no simples e modesto recato de uma senhora".
        E as informações que lhe chegam a seu respeito são as piores. O Cunha diz que ela é "a mais bonita mulher do Rio e também a mais caprichosa e excêntrica. Ninguém a compreende. "Nunca fica muito tempo com o mesmo amante, "pois não admite que ninguém adquira direitos sobre ela." Além do mais, é avarenta. Vende tudo o que ganha. Até roupas. Para Paulo, no entanto, ela parece ser ao contrário de tudo isso. Afinal, ela finge para ele ou já o ama? Paulo fica em dúvida atroz.
        Por aqueles dias, numa ceia em casa do Sá, com pessoas (Lúcia, Paulo, Sr. Couto, Laura, Nina, Rochinha, etc...) maldosamente convidadas para transformar a ceia em bacanal, Lúcia desfila toda nua, imitando as poses lascivas dos quadros que estavam nas paredes, ante os olhares voluptuosos dos presentes. Depois, em lágrimas, nos jardins da casa, ela se explica a Paulo. Fez aquilo por desespero, pois ele havia zombado dela momentos antes: "se o Senhor não zombasse de mim, não o teria feito por coisa alguma deste mundo..."E depois porque teria sido uma decepção total, afinal o que Sá pretendia era mostrar a seu amigo Paulo quem era Lúcia. "Não foi para isso que se deu essa ceia?! - explicou Lúcia. E os dois se amaram profundamente, lá mesmo no jardim, á luz da lua, até de madrugada.
        Decorridos alguns dias, Paulo de certo modo passa a morar com Lúcia, e, apesar das prevenções e restrições, mais e mais se liga a ela por afeto. Lúcia, por sua vez, já ama Paulo e se entrega e ele como a um dono e senhor. Há momentos de atritos entre ambos. Passageiros, e todos causados pelo egoísmo e incompreensão de Paulo que não entende as profundas transformações que o seu afeto operou nela. E a tal ponto , que ela não suportaria mais a idéia de se lhe entregar na cama, pois sente por ele um amor muito puro e profundo. E ele, levado mais por desejo que por afeto, não consegue aceitar esse comportamento sublime.
        As más línguas já comentam que Paulo, além de viver à custa de Lúcia, ainda a proíbe de freqüentar a sociedade. Lúcia que já então procurava viver mais retraída dispõe-se a voltar à vida mundana apenas  para salvar-lhe a reputação. Mas Paulo - complicado, sádico, estúpido e chato - não compreende.
        Lúcia já não vibra como outrora. Mesmo quando excitada por Paulo. É a doença que já se faz sentir. Paulo não entende essa frieza e por vezes se exaspera. Ela sofre calada pois reconhece que "o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe!". O grande sentimento que os unia, arrefece, dando lugar a uma amizade simplesmente.
        O comportamento de Lúcia é cada vez mais sublime e heróico. Já não existe mais nada da antiga cortesã. E Paulo, por fim, entende essa nobreza de caráter e compreende o porquê das suas recusas. Ela lhe recusava o corpo porque o amava em espírito. E também porque já está doente. Paulo promete respeitá-la de ora em diante.
        Lúcia um dia lhe revela todo o seu passado. Chamava-se Maria da Glória. Era uma menina feliz de 14 anos e morava com os pais, quando, em 1850, sobreveio a terrível febre amarela. Seus pais, os três irmãos, uma tia caíram de cama, Ela ficou só. No auge do desespero, resolveu pedir ajuda a um vizinho rico, Sr. Couto, que em troca de algumas moedas de ouro tirou-lhe a inocência. "o dinheiro ganho com a minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de esperança." Seu pai, porém, sabendo da origem do dinheiro, e supondo ter a filha um amante, a expulsou de casa. Sozinha, sem ter aonde ir, foi acolhida por uma mulher, Jesuína, que, quinze dias depois, à conduziu à prostituição, estipulando pela beleza de seu corpo um alto preço. O dinheiro, ela o usava para cuidar do que restava da família: "e eu tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã".
        Uma colega de infortúnio foi morar com ela. Chamava-se Lúcia. Tornaram-se amigas. Lúcia morreu pouco depois. No atestado de óbito, a heroína fez constar que a falecida se chamava Maria da Glória, adotando para si o nome da amiga morta. "Morri pois para o mundo e para minha família. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída." E todo dinheiro que ganhava, destinava-o à preparação de um dote para sua irmã, Ana, a qual passou a manter num colégio interno depois da morte dos pais.
        Agora Paulo compreende ainda melhor as atitudes misteriosas e contraditórias que Lúcia tomava como cortesã. É que esse gênero de vida lhe parecia sórdido e abjeto. Ela suportava como a um martírio, uma autopunição, uma maneira de reparar o seu pecado. Conhecido se passado heróico, ele passa a sentir por Lúcia uma grande ternura e um amor sincero.
         Seguem-se dias tranqüilos. Lúcia muda-se para uma casinha modesta e Ana mora com ela. "isto não pode durar muito! É impossível!" É o pressentimento da morte. Lúcia tenta convencer Paulo a se casar com Ana, que já o ama também. Seria uma maneira de perpetuar o amor de ambos, já que ela se julga indigna do puro amor conjugal. Paulo rejeita com  veemência em nome do amor que não sente por Ana.
        Lúcia aborta o filho que esperava de Paulo. Ela se recusa a tomar remédio para expelir o feto morto, dizendo "Sua mãe lhe servirá de túmulo". E já no leito de morte, recebe o juramento de Paulo prometendo-lhe cuidar de Ana como sua filha. E morre docemente nos braços de seu amado, indo amá-lo por toda a eternidade.


Resumo- O Uraguai

O Uraguai, poema épico de 1769, critica drasticamente os jesuítas, antigos mestres do autor Basílio da Gama. Ele alega que os jesuítas apenas defendiam os direitos dos índios para ser eles mesmos seus senhores. O enredo em si, é a luta dos portugueses e espanhóis contra os índios e os jesuítas dos Sete Povos das Missões. De acordo com o tratado de Madrid, Portugal e Espanha fariam uma troca de terras no sul do país: Sete Povos das Missões para os espanhóis, e Sacramento para os portugueses. Os nativos locais recusam-se a sair de suas terras, travando uma guerra. Foi escrito em versos brancos decassílabos, sem divisão de estrofes e divididos em cinco cantos, e por muitos autores, foi o início do Romantismo.
No Canto I, o poeta apresenta já o campo de batalha coberto de destroços e de cadáveres, principalmente de indígenas, e, voltando no tempo, apresenta um desfile do exército luso - espanhol, comandado por Gomes Freire de Andrada.
No Canto II, relata o encontro entre os caciques Sepé e Cacambo e o comandante português. Gomes Freire de Andrada à margem do rio Uruguai. O acordo  é impossível porque os jesuítas portugueses se negavam a aceitar a nacionalidade espanhola. Ocorre então o combate entre os índios e as tropas luso-espanholas. Os índios lutam valentemente, mas são vencidos pelas armas de fogo dos europeus. Cepé morre em combate. Cacambo comanda a retirada.
No Canto III, o falecido Sepé aparece em sonho a Cacambo sugerindo o incêndio do acampamento inimigo. Cacambo aproveita a sugestão de Sepé com sucesso. Na volta da missão Cacambo é traiçoeiramente assassinado por ordem do jesuíta Balda, o vilão da história, que deseja tornar seu filho Baldeta cacique, em lugar de Cacambo. Observa-se aqui uma forte crítica aos jesuítas.
No Canto IV, o poeta apresenta a marcha das forças luso-espanholas sobre a aldeia dos índios, onde se prepara o casamento de Baldeta e Lindóia. A moça, entretanto, prefere a morte. O poema apresenta então um trecho lírico de rara beleza:  
"Inda conserva o pálido semblante
Um não sei que de magoado e triste
Que os corações mais duros enternece,
Tanto era bela  no seu rosto a morte!"
Com a chegada das tropas de Gomes Freire, os índios se retiram após queimarem a aldeia.
No Canto V, o poeta expressa suas opiniões a respeito dos jesuítas, colocando-os como responsáveis pelo massacre dos índios pelas tropas luso -espanholas. Eram opiniões que agradavam ao Marquês de Pombal, o todo poderoso ministro de D. José I. Nesse mesmo canto ainda aparece a homenagem ao general Gomes Freire de Andrada que respeita e protege os índios sobreviventes.
Convém ressaltar que O Uraguai, além das características árcades, já apresenta, algumas tendências românticas na descrição da natureza brasileira.

Trecho da Obra de Rubem Fonseca- Feliz Ano Novo

Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no reveillon. Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber tinham vendido todo o estoque.

Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros.

Pereba entrou no banheiro e disse, que fedor.

Vai mijar noutro lugar, tô sem água.

Pereba saiu e foi mijar na escada.

Onde você afanou a TV, Pereba perguntou.

Afanei, porra nenhuma. Comprei. O recibo está bem em cima dela. Ô Pereba! você pensa que eu sou algum babaquara para ter coisa estarrada no meu cafofo?

Tô morrendo de fome, disse Pereba.

De manhã a gente enche a barriga com os despachos dos babalaôs, eu disse, só de sacanagem.

Não conte comigo, disse Pereba. Lembra-se do Crispim? Deu um bico numa macumba aqui na Borges de Medeiros, a perna ficou preta, cortaram no Miguel Couto e tá ele aí, fudidão, andando de muleta.

Pereba sempre foi supersticioso. Eu não. Tenho ginásio, sei ler, escrever e fazer raiz quadrada. Chuto a macumba que quiser.

Acendemos uns baseados e ficamos vendo a novela. Merda. Mudamos de canal, prum bang-bang, Outra bosta.

As madames granfas tão todas de roupa nova, vão entrar o ano novo dançando com os braços pro alto, já viu como as branquelas dançam? Levantam os braços pro alto, acho que é pra mostrar o sovaco, elas querem mesmo é mostrar a boceta mas não têm culhão e mostram o sovaco. Todas corneiam os maridos. Você sabia que a vida delas é dar a xoxota por aí?

Pena que não tão dando pra gente, disse Pereba. Ele falava devagar, gozador, cansado, doente.

Pereba, você não tem dentes, é vesgo, preto e pobre, você acha que as madames vão dar pra você? Ô Pereba, o máximo que você pode fazer é tocar uma punheta. Fecha os olhos e manda brasa.

Eu queria ser rico, sair da merda em que estava metido! Tanta gente rica e eu fudido.

Zequinha entrou na sala, viu Pereba tocando punheta e disse, que é isso Pereba?

Michou, michou, assim não é possível, disse Pereba.

Por que você não foi para o banheiro descascar sua bronha?, disse Zequinha.

No banheiro tá um fedor danado, disse Pereba. Tô sem água.

As mulheres aqui do conjunto não estão mais dando?, perguntou Zequinha.

Ele tava homenageando uma loura bacana, de vestido de baile e cheia de jóias.

Ela tava nua, disse Pereba.

Já vi que vocês tão na merda, disse Zequinha.

Ele tá querendo comer restos de Iemanjá, disse Pereba.

Brincadeira, eu disse. Afinal, eu e Zequinha tínhamos assaltado um supermercado no Leblon, não tinha dado muita grana, mas passamos um tempão em São Paulo na boca do lixo, bebendo e comendo as mulheres. A gente se respeitava.

Pra falar a verdade a maré também não tá boa pro meu lado, disse Zequinha. A barra tá pesada. Os homens não tão brincando, viu o que fizeram com o Bom Crioulo? Dezesseis tiros no quengo. Pegaram o Vevé e estrangularam. O Minhoca, porra! O Minhoca! crescemos juntos em Caxias, o cara era tão míope que não enxergava daqui até ali, e também era meio gago - pegaram ele e jogaram dentro do Guandu, todo arrebentado.

Pior foi com o Tripé. Tacaram fogo nele. Virou torresmo. Os homens não tão dando sopa, disse Pereba. E frango de macumba eu não como.

Depois de amanhã vocês vão ver. Vão ver o que?, perguntou Zequinha.

Só tô esperando o Lambreta chegar de São Paulo.

Porra, tu tá transando com o Lambreta?, disse Zequinha.

As ferramentas dele tão todas aqui.

Aqui!?, disse Zequinha. Você tá louco.

Eu ri.

Quais são os ferros que você tem?, perguntou Zequinha. Uma Thompson lata de goiabada, uma carabina doze, de cano serrado, e duas magnum.

Puta que pariu, disse Zequinha. E vocês montados nessa baba tão aqui tocando punheta?

Esperando o dia raiar para comer farofa de macumba, disse Pereba. Ele faria sucesso falando daquele jeito na TV, ia matar as pessoas de rir.

Fumamos. Esvaziamos uma pitu.

Posso ver o material?, disse Zequinha.

Descemos pelas escadas, o elevador não funcionava e fomos no apartamento de Dona Candinha. Batemos. A velha abriu a porta.

Dona Candinha, boa noite, vim apanhar aquele pacote.

O Lambreta já chegou?, disse a preta velha.

Já, eu disse, está lá em cima.

A velha trouxe o pacote, caminhando com esforço. O peso era demais para ela. Cuidado, meus filhos, ela disse.

Subimos pelas escadas e voltamos para o meu apartamento. Abri o pacote. Armei primeiro a lata de goiabada e dei pro Zequinha segurar. Me amarro nessa máquina, tarratátátátá!, disse Zequinha.

É antiga mas não falha, eu disse.

Zequinha pegou a magnum. Jóia, jóia, ele disse. Depois segurou a doze, colocou a culatra no ombro e disse: ainda dou um tiro com esta belezinha nos peitos de um tira, bem de perto, sabe como é, pra jogar o puto de costas na parede e deixar ele pregado lá.

Botamos tudo em cima da mesa e ficamos olhando. Fumamos mais um pouco.

Quando é que vocês vão usar o material?, disse Zequinha.

Dia 2. Vamos estourar um banco na Penha. O Lambreta quer fazer o primeiro gol do ano.

Ele é um cara vaidoso, disse Zequinha.

É vaidoso mas merece. Já trabalhou em São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vitória, Niterói, pra não falar aqui no Rio. Mais de trinta bancos.

É, mas dizem que ele dá o bozó, disse Zequinha.

Não sei se dá, nem tenho peito de perguntar. Pra cima de mim nunca veio com frescuras.

Você já viu ele com mulher?, disse Zequinha.

Não, nunca vi. Sei lá, pode ser verdade, mas que importa?

Homem não deve dar o cu. Ainda mais um cara importante como o Lambreta, disse Zequinha.

Cara importante faz o que quer, eu disse.

É verdade, disse Zequinha.

Ficamos calados, fumando.

Os ferros na mão e a gente nada, disse Zequinha.

O material é do Lambreta. E aonde é que a gente ia usar ele numa hora destas?

Zequinha chupou ar fingindo que tinha coisas entre os dentes. Acho que ele também estava com fome.

Eu tava pensando a gente invadir uma casa bacana que tá dando festa. O mulherio tá cheio de jóia e eu tenho um cara que compra tudo que eu levar. E os barbados tão cheios de grana na carteira. Você sabe que tem anel que vale cinco milhas e colar de quinze, nesse intruja que eu conheço? Ele paga na hora.

O fumo acabou. A cachaça também. Começou a chover. Lá se foi a tua farofa, disse Pereba.

Que casa? Você tem alguma em vista?

Não, mas tá cheio de casa de rico por aí. A gente puxa um carro e sai procurando.

Coloquei a lata de goiabada numa saca ele feira, junto com a munição. Dei uma magnum pro Pereba, outra pro Zequinha. Prendi a carabina no cinto, o cano para baixo e vesti uma capa. Apanhei três meias de mulher e uma tesoura. Vamos, eu disse.

Puxamos um Opala. Seguimos para os lados de São Conrado. Passamos várias casas que não davam pé, ou tavam muito perto da rua ou tinham gente demais. Até que achamos o lugar perfeito. Tinha na frente um jardim grande e a casa ficava lá no fundo, isolada. A gente ouvia barulho de música de carnaval, mas poucas vozes cantando. Botamos as meias na cara. Cortei com a tesoura os buracos dos olhos. Entramos pela porta principal.

Eles estavam bebendo e dançando num salão quando viram a gente.

É um assalto, gritei bem alto, para abafar o som da vitrola. Se vocês ficarem quietos ninguém se machuca. Você aí, apaga essa porra dessa vitrola!

Pereba e Zequinha foram procurar os empregados e vieram com três garções e duas cozinheiras. Deita todo mundo, eu disse.

Contei. Eram vinte e cinco pessoas. Todos deitados em silêncio, quietos, como se não estivessem sendo vistos nem vendo nada.

Tem mais alguém em casa?, eu perguntei.

Minha mãe. Ela está lá em cima no quarto. É uma senhora doente, disse uma mulher toda enfeitada, de vestido longo vermelho. Devia ser a dona da casa.

Crianças?

Estão em Cabo Frio, com os tios.

Gonçalves, vai lá em cima com a gordinha e traz a mãe dela.

Gonçalves?, disse Pereba.

É você mesmo. Tu não sabe mais o teu nome, ô burro? Pereba pegou a mulher e subiu as escadas.

Inocêncio, amarra os barbados.

Zequinha amarrou os caras usando cintos, fios de cortinas, fios de telefones, tudo que encontrou.

Revistamos os sujeitos. Muito pouca grana. Os putos estavam cheios de cartões de crédito e talões de cheques. Os relógios eram bons, de ouro e platina. Arrancamos as jóias das mulheres. Um bocado de ouro e brilhante. Botamos tudo na saca.

Pereba desceu as escadas sozinho.

Cadê as mulheres?, eu disse.

Engrossaram e eu tive que botar respeito.

Subi. A gordinha estava na cama, as roupas rasgadas, a língua de fora. Mortinha. Pra que ficou de flozô e não deu logo? O Pereba tava atrasado. Além de fudida, mal paga. Limpei as jóias. A velha tava no corredor, caída no chão. Também tinha batido as botas. Toda penteada, aquele cabelão armado, pintado de louro, de roupa nova, rosto encarquilhado, esperando o ano novo, mas já tava mais pra lá do que pra cá. Acho que morreu de susto. Arranquei os colares, broches e anéis. Tinha um anel que não saía. Com nojo, molhei de saliva o dedo da velha, mas mesmo assim o anel não saía. Fiquei puto e dei uma dentada, arrancando o dedo dela. Enfiei tudo dentro de uma fronha. O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci.

Vamos comer, eu disse, botando a fronha dentro da saca. Os homens e mulheres no chão estavam todos quietos e encagaçados, como carneirinhos. Para assustar ainda mais eu disse, o puto que se mexer eu estouro os miolos.

Então, de repente, um deles disse, calmamente, não se irritem, levem o que quiserem não faremos nada.

Fiquei olhando para ele. Usava um lenço de seda colorida em volta do pescoço.

Podem também comer e beber à vontade, ele disse.

Filha da puta. As bebidas, as comidas, as jóias, o dinheiro, tudo aquilo para eles era migalha. Tinham muito mais no banco. Para eles, nós não passávamos de três moscas no açucareiro.

Como é seu nome?

Maurício, ele disse.

Seu Maurício, o senhor quer se levantar, por favor?

Ele se levantou. Desamarrei os braços dele.

Muito obrigado, ele disse. Vê-se que o senhor é um homem educado, instruído. Os senhores podem ir embora, que não daremos queixa à polícia. Ele disse isso olhando para os outros, que estavam quietos apavorados no chão, e fazendo um gesto com as mãos abertas, como quem diz, calma minha gente, já levei este bunda suja no papo.
Inocêncio, você já acabou de comer? Me traz uma perna de peru dessas aí. Em cima de uma mesa tinha comida que dava para alimentar o presídio inteiro. Comi a perna de peru. Apanhei a carabina doze e carreguei os dois canos.

Seu Maurício, quer fazer o favor de chegar perto da parede? Ele se encostou na parede. Encostado não, não, uns dois metros de distância. Mais um pouquinho para cá. Aí. Muito obrigado.

Atirei bem no meio do peito dele, esvaziando os dois canos, aquele tremendo trovão. O impacto jogou o cara com força contra a parede. Ele foi escorregando lentamente e ficou sentado no chão. No peito dele tinha um buraco que dava para colocar um panetone.

Viu, não grudou o cara na parede, porra nenhuma.

Tem que ser na madeira, numa porta. Parede não dá, Zequinha disse.

Os caras deitados no chão estavam de olhos fechados, nem se mexiam. Não se ouvia nada, a não ser os arrotos do Pereba.

Você aí, levante-se, disse Zequinha. O sacana tinha escolhido um cara magrinho, de cabelos compridos.

Por favor, o sujeito disse, bem baixinho. Fica de costas para a parede, disse Zequinha.
Carreguei os dois canos da doze. Atira você, o coice dela machucou o meu ombro. Apóia bem a culatra senão ela te quebra a clavícula.

Vê como esse vai grudar. Zequinha atirou. O cara voou, os pés saíram do chão, foi bonito, como se ele tivesse dado um salto para trás. Bateu com estrondo na porta e ficou ali grudado. Foi pouco tempo, mas o corpo do cara ficou preso pelo chumbo grosso na madeira.

Eu não disse? Zequinha esfregou ó ombro dolorido. Esse canhão é foda.

Não vais comer uma bacana destas?, perguntou Pereba.

Não estou a fim. Tenho nojo dessas mulheres. Tô cagando pra elas. Só como mulher que eu gosto.

E você... Inocêncio?

Acho que vou papar aquela moreninha.

A garota tentou atrapalhar, mas Zequinha deu uns murros nos cornos dela, ela sossegou e ficou quieta, de olhos abertos, olhando para o teto, enquanto era executada no sofá.

Vamos embora, eu disse. Enchemos toalhas e fronhas com comidas e objetos.

Muito obrigado pela cooperação de todos, eu disse. Ninguém respondeu.

Saímos. Entramos no Opala e voltamos para casa.

Disse para o Pereba, larga o rodante numa rua deserta de Botafogo, pega um táxi e volta. Eu e Zequinha saltamos.

Este edifício está mesmo fudido, disse Zequinha, enquanto subíamos, com o material, pelas escadas imundas e arrebentadas.

Fudido mas é Zona Sul, perto da praia. Tás querendo que eu vá morar em Vilópolis?

Chegamos lá em cima cansados. Botei as ferramentas no pacote, as jóias e o dinheiro na saca e levei para o apartamento da preta velha.

Dona Candinha, eu disse, mostrando a saca, é coisa quente.

Pode deixar, meus filhos. Os homens aqui não vêm.

Subimos. Coloquei as garrafas e as comidas em cima de uma toalha no chão. Zequinha quis beber e eu não deixei. Vamos esperar o Pereba.

Quando o Pereba chegou, eu enchi os copos e disse, que o próximo ano seja melhor. Feliz Ano Novo.

Texto extraído do livro "Feliz Ano Novo", Editora Artenova – Rio de Janeiro, 1975, pág.

Resumo- Manuelzão e Miguilim

A) Campo Geral da Obra Manuelzão e Miguilim
Mais conhecida como “Miguilim”, Campo Geral conta a história de um menino de oito anos, que vivia com a família no Mutum, no meio dos Campos Gerais. Com a família, viviam o irmão do pai (tio Terêz), a tia-avó materna (vovó Izidra) e alguns agregados: Rosa, a cozinheira; Maria Pretinha, empregada, e Mãitina, negra velhíssima e beberrona, acusada de ser feiticeira. Dois vaqueiros também compõem o núcleo de personagens da história: Jé e Saluz.
Quando completara sete anos, Miguilim fora levado pelo tio, de quem gostava muito, para ser crismado no Sucuriju, lugarejo distante. Primeira vez que saíra de casa, sentira saudades.
Na viagem, alguém que já tinha morado no Mutum comentou com ele: “É um lugar bonito, entre morro e morro, com muita pedreira e muito mato, distante de qualquer parte; e lá chove sempre”. O menino gostou da maneira como a pessoa falou do lugar em que vivia e a primeira coisa que fez ao chegar em casa foi consolar a mãe (a qual se queixava, principalmente, da chuva) dizendo que o Mutum era um lugar bonito. Mas isso causou desgosto ao pai, e ele foi castigado, não podendo ir para a pescaria no dia seguinte. Para que Miguilim não ficasse triste, seu tio ensinara-o a armar “urupucas” para pegar passarinhos.
Por ter chegado de viagem, os irmãos pediram a ele presentes, mas ele não os havia trazido e inventava desculpas: “Estava tudo num embrulho, muitas cousas… caiu dentro do corgo, a água fundou… Dentro do corgo tinha um jacaré, grande…”
A família criava muitos cachorros, todos conhecidos por determinado nome. Pingo-de-Ouro, a predileta de Miguilim, fora dada para “uns tropeiros” quando já estava quase cega. Por causa de uma canção conhecida, na qual o menino chorava por causa de sua “Cuca”, o menino passou a chamá-la de Cuca.
Certa vez, Dito avisa ao irmão mais velho que o pai está batendo na mãe. Por tentar defendê-la, Miguilim é posto de castigo “no alto do tamborete”. Lá, reflete sobre as surras e castigos que ele e Chica sempre levavam, pensa na brutalidade do pai e chega a comparar sua história com a de João e Maria, perdidos no mato. Dito, como quem não quer nada, aproxima-se dele para lhe fazer companhia sem que outros percebam, já que ninguém podia conversar com quem estava de castigo. Chica (sua irmã) traz-lhe água.
Quando Nhô Béro (o pai) sai, tio Terêz avisa que um temporal estava chegando. Vovó Izidra expulsa-o de casa acusando-o de “Caim que matou Abel”. Cai um temporal, e Miguilim acredita que tivesse sido por causa da mãe, do pai edo  tio Terêz. Todos vão rezar, pois têm muito medo.
O pai retorna depois da noite de chuva, e Dito procura ouvir as conversas dos adultos, o que Miguilim achava muito chato. Ele desejava permanecer criança.
Seo Deográcias, entendedor de remédios, acompanhado de seu filho Patori (de quem Miguilim não gostava), aparece para cobrar uma antiga dívida e aproveita para olhar a saúde do menino. Por achar Miguilim muito fraco e magro, o curandeiro receita ervas para que ele não adoeça.
Assustado, Miguilim pensa que vai morrer de tuberculose e pede para rezarem com ele. Depois de muita angústia, o menino faz um pacto com Deus: se não morresse dentro de dez dias, não morreria mais. Ora brincando, ora procurando as pessoas para compartilhar de seus medos, Miguilim começa a ficar assustado apenas no nono dia, quando não consegue fazer a novena prometida.
No último dia, ele não sai da cama, esperando a morte chegar. Drelina, sua irmã, por perceber seu sofrimento, permanece de mãos dadas com ele, enquanto Dito vai chamar seo Aristeo, vaqueiro bonito e persuasivo, o qual consegue convencer Miguilim, de que não vai morrer. O pai, de tão feliz que ficou, resolve dar ao menino o serviço de levar para ele comida na roça.
Miguilim se alegra, pois o pai passa a brigar menos com ele. Na volta da primeira vez em que vai exercer tal serviço, tio Terêz surge do meio do mato e entrega a ele um bilhete, que deveria ser entregue à sua mãe. Miguilim fica com a consciência pesada por não saber se isso é certo, mas, ao mesmo tempo, tinha prometido ao tio que entregaria o bilhete e angustia-se por não saber o que fazer.
Então, questiona Dito sobre o que é certo: “‘Dito, como é que a gente sabe certo como não deve de fazer alguma coisa, mesmo os outros não estando vendo?’ ‘- A gente sabe, pronto.’”. Não satisfeito com a resposta, Miguilim começa a perguntar a opinião de diferentes pessoas: Rosa, mãe, vaqueiro Jé, vaqueiro Saluz, mas não consegue chegar a qualquer conclusão e resolve não pensar mais nisso, ocupando o seu dia para que ele passe rapidamente.
Na hora de dormir, para garantir que nada aconteceria com o bilhete que estava em seu bolso, o menino não tira a calça. Na manhã seguinte, a caminho da roça, pensa em desculpas variadas para dar ao tio, mas acaba contando a verdade e chora copiosamente.
O tio compreende a atitude do menino, louva seus escrúpulos, beija-o e vai embora. No caminho da roça, Miguilim se amedronta com alguns vultos que roubam e comem o almoço do pai, o qual vai verificar juntamente com Luisaltino o que ocorrera. Os dois descobrem que o menino assustou-se com um bando de macacos e a história vira chacota.
Miguilim, então, precisava ficar a sós com Dito e com ele conversa sobre rezas e filosofias. O menino acreditava na sabedoria inata do irmão. Começa a chover novamente no Mutum. Vaqueiro Saluz leva Luisaltino para começar a ajudar Nhô Béro na roça e traz a notícia de que Patori havia assassinado um rapaz e, por isso, fugira. O pai, desesperado, procurava pelo filho sem cessar. Luisaltino traz com ele um papagaio, Papaco-o-Paco. Apesar de ser de Chica, o animal gostava mesmo da cozinheira Rosa, a qual o alimentava e lhe ensinava novos cantos e falas. Nessa época, passa pelo local o Grivo, menino muito pobre, por quem Dito e Miguilim se afeiçoam.
O veranico seguiu tranquilo, com o pai e Luisaltino trabalhando muito, e este conversando por diversas vezes com Nhanina. Dito conta a Miguilim que vira o vaqueiro Jé abraçando Maria Pretinha.
Siarlinda, esposa do vaqueiro Saluz, vai visitar a família e conta para os meninos muitas histórias. Os dois gostam principalmente das de assombração. Miguilim, a partir desse momento do livro, começa a se interessar também por criar e contar as mais incríveis narrativas.
Patori é encontrado morto e Nhô Béro vai ao enterro. É noite de lua cheia e toda a família vai até o alto do morro para fazer um passeio. Como Nhanina só dá atenção para Luisaltino, Miguilim fica enciumado e diz que “queria ver o mar, só para não ter essa tristeza.” A mãe o entende e o pega pela mão.
Na manhã seguinte, todos foram tomados pela felicidade: Rosa havia conseguido ensinar Papaco-o-Paco a dizer: “Miguilim, me dá um beijim”.
Depois disso, começam os tempos ruins: Siarlinda briga com o vaqueiro Saluz, o qual fica com dor de dentes e crise de hemorroidas; o cachorro Julim é morto por um tamanduá; Nhô Béro adoece de pena e todos ficam tristes por isso; um marimbondo ferroa Tomezinho; o touro Rio Negro machuca a mão de Miguilim que, nervoso, bate no irmão querido que o viera consolar. Arrependendo-se, envergonha-se e vai para o castigo no tamborete. Dito vai vê-lo e Miguilim, finalmente, pede desculpas. Dito chega à conclusão de que, além de irmãos, eles são grandes amigos.
Naquela madrugada, Maria Pretinha foge com o vaqueiro Jé. Pela manhã, Dito tenta encontrá- los no esconderijo das corujas, mas eles já haviam ido. Nesse meio tempo, o mico-estrela da família escapa e todos saem para procurá-lo. Na busca, Dito corta o pé profundamente em um caco e sangra muito.
Nele fizeram um curativo com ervas, mas o menino continua se sentindo fraco. Passa a ficar todo o tempo deitado na rede; para poder se inteirar do que acontecia,  pede para Miguilim comentar com ele tudo o que estava ocorrendo com as pessoas em geral. Ele passa a ser o “informante” de Dito. O tétano, porém, com o passar do tempo, piora, causando no menino dores de cabeça, febre e vômitos. Vovó Izidra reza o terço emnome de Dito.
Chega a época de Natal, e a velha vai montar o presépio, para a tristeza de Dito, que não pode ajudar. Miguilim também não vai para fazer companhia ao irmão e conta mil histórias inventadas para distraí-lo. “Deus mesmo era quem estava mandando”. Dito sorri e dorme. A doença começa a enrijecer os músculos da criança, em lenta agonia. O pequeno doente pede desculpas ao irmão mais velho por tê-lo invejado quando Papaco-o-Paco falou seu nome. Miguilim e Rosa começam, então, a tentar ensinar o papagaio a falar o nome do Dito, mas em vão.
É véspera de Natal e Dito cada vez piora mais. Luisaltino sai em busca de Seo Deográcias e Seo Aristeo. Maria Pretinha e o vaqueiro Jé retornam à fazenda e todos rezam juntos o terço. Nhanina fica junto do filhinho adoentado. Este, querendo ficar sozinho com o irmão querido, chama por ele e pede para lhe contar a história da cahorrinha Cuca Pingo-de-Ouro. Miguilim não consegue e Dito passa para ele seu último ensinamento: “Miguilim, Miguilim, eu vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo.
A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!…” Miguilim, ao ver o irmãozinho morrendo, não aguenta e sai do quarto. Vai procurar Mãitina e pede para ela fazer todos os feitiços que conhece para o Ditinho não morrer, mas, nesse instante, ele percebe que já é tarde. Desesperado, chora copiosamente. Regressando ao quarto, observa o jeito como a mãe sofre de tristeza pela perda do filho. Chega a perguntar por tio Terêz e é informado de que este nem estava sabendo da morte do sobrinho, já que estava bem longe. Os dias que seguem são de dor e raiva, o menino queria que Dito voltasse e começa a perguntar para as pessoas o que pensavam e sentiam a respeito do irmão, pois “queria como algum sinal do Dito morto no Dito vivo, ou do Dito vivo mesmo no Dito morto”. Rosa e Mãitina tentam consolar Miguilim e constroem um túmulo simbólico para o falecido irmãozinho no quintal.
Papaco-o-Paco grita um dia, sem que ninguém esperasse: “Dito, Expedito! Dito, Expedito!” e todos se emocionam muito. Para ocupar a cabeça do filho, Nhô Béro resolve levá-lo para trabalhar consigo na roça.
O tempo vai passando, e Miguilim começa a ficar cada vez mais preguiçoso, comer muito e achar que nada vale a pena: “tudo de repente se acaba em nada.” O pai, mais violento com o menino a cada dia, implica com seus tombos e sua falta de atenção e um dia fala para Nhanina que quem deveria ter morrido não era o Dito, e sim o Miguilim. Vovó Izidra diz que “esse Béro tem osso no coração”.
Certo dia, chegam de surpresa, para passar quinze dias com a família, o tio Osmindo Cessim e o mano Liovaldo, que demonstrava ser “tão maligno quanto o Patori”. Miguilim continua pensando na sabedoria inata do irmão querido e seus ensinamentos. Não demora muito para Liovaldo judiar do Grivo e, para defender o amigo, Miguilim bate no irmão mais velho. Nhô Béro dá-lhe uma surra tão grande que, com muita raiva, a criança planeja o modo como matará o pai quando crescer e fica triste com a mãe por não o ter defendido. Por pedido dela, ele aceita ir passar três dias com o vaqueiro Saluz, galopando e campeando boiada. São três dias felizes para ele, apesar de não conseguir enxergar os detalhes da natureza que o vaqueiro lhe mostrava. Sente saudades apenas de Rosa e Mãitina.
Ao voltar, ainda magoado, Miguilim enfrenta o pai. Este, maldosamente, solta seus passarinhos e quebra suas gaiolas. Revoltado, o menino reúne todos os seus brinquedos no quintal e os destrói. No paiol, onde se esconde para chorar, Liovaldo chega para tentá-lo e é por ele expulso.
À noite, ao recusar uma moeda que lhe é oferecida pelo tio, este o elogia: “Esse não é de envergonhar ninguém, não. Tem coisa de fogo.” Quando o tio parte com o irmão, Miguilim se alegra e pensa em ir também embora dali um dia.
De uma hora para outra, porém, o menino adoece e sente dores na nuca, fraqueza e passa a vomitar. Durante a doença, Miguilim ouve uma conversa de Nhô Béro lamentando a má sorte dos filhos e percebe que, à sua maneira, o pai gostava dele. Grivo vai visitá-lo e leva de presente uma gaiola com um canarinho.
Miguilim torna a piorar, quando acorda com um alvoroço: Nhô Béro matara Luisaltino e fugira para o mato. Vovó Izidra reza com Miguilim. No dia seguinte, fica sabendo que o pai se enforcara com um cipó.
Aos poucos a criança vai sarando e recomeçam os passeios. Tio Terêz volta e Vovó Izidra, por isso, vai embora. Nhanina pergunta a Miguilim se aprovaria seu casamento com o tio, mas para ele tudo se tornara indiferente: pensava apenas em Dito.
Um dia, chegam ao Mutum dois homens para caçar. Um deles, Dr. Lourenço, o qual usava óculos, estranha o olhar de Miguilim e faz nele alguns testes de visão. Percebendo que o menino era míope, empresta para ele seus óculos. Miguilim se encanta com o mundo que vê, pela primeira vez. O médico gosta do menino e convida-o para voltar com ele para a cidade, para estudar. Indeciso, acaba aceitando depois que a mãe o encoraja, dizendo que seria a grande chance dele ser alguém na vida.
O menino vai se aprontar, e Rosa prepara um lanche para ele comer durante a viagem. Antes de ir embora, Miguilim pede os óculos do médico emprestados mais uma vez. Enxerga o Mutum como um lugar bonito e vê os familiares. Acha o tio parecido com o pai, admira-se com a beleza da mãe. Todos choram de emoção, até mesmo o doutor. Miguilim, soluçando, lembra com saudades da Cuca, do Dito, do pai… Sem saber mais o que era alegria ou tristeza, lembra-se dos dizeres do irmão: “Sempre alegre, Miguilim!… Sempre alegre, Miguilim!…” Recebe os beijos da mãe, os doces da Rosa e ouve o falar de Papaco-o-Paco…
B) Uma Estória de Amor (Festa de Manuelzão) da Obra Manuelzão e Miguilim
Mais conhecida como “Manuelzão”, a história se passa na Samarra, “(…) nem fazenda, só um reposto, um currais-de-gado, pobre e novo ali entre o Rio e a Serra-dos-Gerais…” e começa com uma grande expectativa em torno da festa que ocorreria devido à inauguração de uma capela que Manuelzão fez construir a pedido de sua falecida mãe. Muita gente é atraída para o lugarejo por causa disso, e até mesmo um padre é chamado para benzer o “templozinho, nem mais que uma guarita, feita a dois quilômetros da Casa”.
Com mais de sessenta anos, a personagem principal, de cima de seu cavalo, contempla a expectativa do povo nos preparativos para a festa e vai reconstituindo o seu passado. Manuelzão vai buscar Adelço, seu filho natural, “nascido de um curto caso”, o qual não é bem quisto por ele: “(…) era mesquinho e fornecido maldoso, um homem esperando para ser ruim.
Só punha toda estima em sua mulher e nos filhinhos, das outras pessoas tinha uma raiva surdada. Sempre aquela miúda dureza, sem teta de piedade nenhuma”. Em compensação, sua esposa, Leonísia, era uma boa mulher. Ela, contrariamente ao marido, é dona de um grande carinho por parte de Manuelzão: “Leonísia era linda sempre, era a bondade formosa. O Adelço merecia uma mulher assim?”.
Na madrugada anterior à festa, repentinamente, quando todos dormiam, ocorre o inesperado: o riacho que abastecia a casa, “Seco Riacho”, secou: “(…) Mas cada um sentiu, de repente, no coração, o estalo do silenciozinho que ele fez, a pontuda falta da toada, do barulhinho. (…) O riacho soluço se estancara, sem resto, e talvez para sempre. Secara-se a lagrimal, sua boquinha serrana. Era como se um menino sozinho tivesse morrido.”
A festa tem início realmente com a chegada do padre, frei Petroaldo, que é recebido com foguetes e muita alegria: “A voz do povo levantou um louvor, prazeroso. Via-se, quando se via, era muito mais gente, aquela chegança, que modo que sombras. Gente sem desordem, capazes de muito tempo calados, mesmo não tinham viso para as surpresas. Apartavam-se em grupos. Mas se reconheciam, se aceitando sem estranhice, feito diversos gados, quando encurralados de repente juntos.”
Assim, tocando a sua narração como um rebanho, Manuelzão relembra muitos casos conforme o povo vai chegando para a festança: “Estória! — ele disse então. Pois minhamente:
o mundo era grande. Mas tudo ainda era muito maior quando a gente ouvia contada, a narração dos outros, de volta de viagens.” No meio da noite, nas tréguas da festa, as histórias de reis, rainhas e vaqueiros de Joana Xaviel destacam-se: “Se furtivava o sono, e no lugar dele, manavam as negaças de voz daquela mulher Joana Xaviel, o urdume das estórias. As estórias tinham amarugem e docice. A gente escutava, se esquecia de coisas que não sabia.”
A celebração da missa, no dia seguinte, anima ainda mais a festa, que prossegue com danças e violas, cantigas populares e quadrilhas sertanejas, além da farta comida. Antes de o povo ir embora, porém, o velho Camilo, “todo vivido e desprovido”, também conta um caso, o “romance do Boi Bonito, que vaqueiro nenhum não aguentava trazer no curral…” O único vaqueiro que conseguira domar o Boi Bonito, chamado apenas de Menino, fora “dino” (digno) e não quisera dote ou prêmio pela proeza conquistada, queria apenas que o Boi Bonito pastasse livre naquelas paisagens.
Inebriado pela história de seo Camilo, Manuelzão se revigora e não sente mais o peso dos sessenta anos nas costas: sente-se pronto para conduzir a boiada pelas Gerais:
“ — Espera aí, seo Camilo…
— Manuelzão, que é que há?
— Está clareando agora, está resumindo…
— Uai, é dúvida?
— Nem não. Cantar e brincar – hoje é festa – dançação. Chega o dia declarar! A festa não pra
se consumir – mas para depois se lembrar… Com boiada jejuada, forte de hoje se contando
três dias… A boiada vai sair. Somos que vamos.
— A boiada vai sair !”

Resumo Manuelzão e Miguilim

AS PERSONAGENS de CAMPO GERAL
A personagem principal de Campo Geral é Miguilim, criança de oito anos que nasce e cresce no seio de uma família sertaneja típica. Revela-se um menino sensível, delicado e inteligente ao longo da narrativa. Sonhador como a mãe, é fixado no mar, que não conhece.
Dito: o irmão mais querido de Miguilim, seu verdadeiro amigo.
Apesar de mais novo, apresenta sabedoria inata e prudência incomum, as quais o protagonista muito admira. Pessoa muito doce, Dito gosta de todos e nem mesmo o pai brigava com ele. Sua lenta agonia e consequente morte provocada pelo tétano causam grande sofrimento em Miguilim, que leva consigo para o resto da vida as palavras do irmão à beira da morte: “Miguilim, Miguilim, vou ensinar agorinha o que eu sei demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!…”
Tomezinho: o mais novo entre os seis irmãos, com quatro anos de idade. Era arruivado, como Dito.
Drelina: muito bonita, tinha cabelos compridos e louros.
Chica: tinha cabelos pretos, iguais aos da mãe e aos de Miguilim. Todos diziam que tinha “malgênio”. Tinha muita afeição por Miguilim, que também gostava muito dela e com ela queria se casar quando crescesse. Sabia cantigas de roda e dançava bem.
Liovaldo: o mais velho entre os irmãos, não morava com a família, e sim com o tio Osmindo Cessim, que lhe pagava os estudos. Ninguém se lembrava das feições do irmão até ele aparecer com o tio para visitar a família durante quinze dias. Miguilim não gostava dele, achava que ele era tão ruim quanto o Patori. Os dois brigam quando Liovaldo bate em Grivo, grande amigo do protagonista.
A mãe, Nhanina: muito bonita, com longos cabelos pretos, era uma pessoa muito romântica. Deixou-se envolver pelo cunhado e por Luisaltino, companheiro do marido na roça. Era o grande amor de Miguilim, que, por muitas vezes, ficava com ela magoado por não o defender da fúria do pai.
O Pai, Nhô Béro: maltratava Miguilim, que chegou a planejar sua morte, mas depois chegou à conclusão de que, à sua maneira, ele o amava. Obcecado por Nhanina, chega a ponto de matar Luisaltino e depois cometer suicídio.
O tio, Terêz: irmão de Béro e amante de Nhanina, é expulso de casa por Vovó Izidra por manter um caso com a cunhada. Tinha um carinho enorme por Miguilim, que por ele também muito se afeiçoara. Acaba se casando com Nhanina no fim da narrativa.
A tia-avó, Vovó Izidra: matriarca da família, era tia de Nhanina por parte de mãe e a criou como filha, já que a irmã era “mulher-atoa”. Com grande senso de justiça, foi ela quem expulsou tio Terêz de casa e de lá foi embora quando ele voltou para se casar com Nhanina após a morte de Béro. Chegou a defender Miguilim da ira do pai, dizendo que Nhô Béro tinha “osso no coração”.
A avó, Vó Benvinda: mãe de Nhanina; não criou a filha por ser “mulher-atoa”.
Jé: vaqueiro da fazenda, mantém um caso com Maria Pretinha.
Saluz: vaqueiro que toma conta da fazenda junto com Nhô Béro,; é casado com Siarlinda.
Rosa: a cozinheira; é ela quem ensina o papagaio a dizer “Miguilim, me dá um beijim” e “Dito, Expedito!”
Mãitina: negra velha e beberrona, considerada feiticeira, é também agregada da família.
Maria Pretinha: empregada da família, foge com o vaqueiro Jé, com quem mantinha um caso.
Ainda fazem parte do núcleo de personagens
Seo Deográcias: pai de Patori, é o curandeiro da região.
Patori: filho de seo Deográcias, de gênio muito ruim, ensinava besteiras para Miguilim sempre que podia. Por assassinar um rapaz, foge da região e, pouco tempo depois, é descoberto morto.
Seo Aristeo: vaqueiro alegre, bonito, persuasivo e comunicativo, conhecedor de rezas e de  simpatias, é o único que consegue convencer Miguilim de que não vai morrer quando o menino aposta com Deus. “‘Ele é um homem bonito e alto’ – dizia Mãe. – ‘Ele toca uma viola…’”
Sô Sintra: dono da fazenda onde vivem.
Dr. Lourenço: médico que descobre a miopia de Miguilim e, por ter a ele se afeiçoado, resolve
levá-lo para a cidade para estudar.
Grivo: menino muito pobre que vendia casca de árvore. Apenas passa pelo Mutum, mas Dito e
Miguilim se afeiçoam muito a ele.
Siarlinda: esposa do vaqueiro Saluz, contadora de histórias, inspira Miguilim para começar
também a criar histórias.
Os animais
Cães: Pingo-de-Ouro (também chamada por Miguilim de Cuca, é a sua cadelinha do coração.
Ele fica muito triste quando o pai se livra dela por estar velha e cega); Gigão (o maior de todos,
gostava de brincar com os meninos e defendia-os de tudo), os três veadeiros brancos (Seu-
Nome, Zé-Rocha – Zerró -, Julinho-da-Túlia – Julim); os quatro paqueiros de trela (Catita,
Caráter, Soprado e Floresto) e o perdigueiro Rio-belo.
Gatos: Qùóquo e Sossõe.
Papagaio: Papaco-o-Paco, muito apegado à Rosa, que lhe ensinava falas e cantigas.
As Personagens de Uma Estória de Amor
Em Uma Estória de Amor, a personagem principal é Manuelzão, vaqueiro de mais de sessenta
anos, que tem a sua trajetória lentamente reconstituída em meio à festa que oferece para a
“inauguração” da capela. Seu perfil marca-se pela dedicação ao trabalho de vaqueiro e de
administrador da Samarra: “Ele Manuelzão nunca respirara de lado, nunca refugara de sua
obrigação. Todo prazer era vergonhoso, na mocidade de seu tempo” Ao longo da narrativa,
porém, percebe-se uma necessidade do protagonista por reconhecimento e admiração, como
sendo homem de valor: “Ah, todo o mundo, no longe do redor, iam ficar sabendo quem era
ele, Manuelzão, falariam depois com respeito.”
Ao contrário de Campo Geral, o universo de Uma Estória de Amor é muito grande. Muitas
pessoas povoam a narrativa.
Adelço: filho de Manuelzão com “um caso rápido”, era um “rapagão cabeludo, escurado, às
vezes feio até, quando meio zarolho remirava, com Manuelzão nada se parecia. A mãe
morrera pontual, Manuelzão não se lembrava do nome dela.” Não contava com a simpatia do
pai: “Carecia de um filho, prosseguinte. Um que levasse tudo levantado, sem deixar o mato
rebrotar. Não o Adelço — ele sabia que o Adelço não tinha esse valor. Doía, de se conhecer:
que tinha um filho, e não tinha. Mas esse Adelço saíra triste ao avô, ao pai dele Manuelzão,
que lavrava rude mas só de olhos no chão, debaixo do mando dos outros, relambendo sempre
seu pedacinho de pobreza, privo de réstia de ambição de vontade. Desgosto… Como ter um
remédio que curasse um erro, mudasse a natureza das pessoas?” Visto como mesquinho e
maldoso, era “um homem aguardando para ser ruim”. Tinha muita afeição (apenas) pelos
filhos e, principalmente, pela esposa, de quem não gostava de se separar, contrariando o que
era normal para o seu povo, já que não ter lua de mel é, para um vaqueiro, motivo de orgulho,
um sinal de que se trabalha arduamente: “Por conta disso, para não se separar da Leonísia (…)
não se oferecera insistido para chefiar a comitiva da boiada — deixara que a ele mesmo,
Manuelzão, competisse aquela ida. O Adelço tinha-se feito peso-mole de melhor não ir: pois
queria era ficar, encostelado, aproveitando os gostos de marido, o constante da mulher, o
bebível, em casa com cama.”